Radika – educação para o antirracismo

O projeto Radika surge no contexto de um trabalho que a Associação Renovar a Mouraria tem vindo a desenvolver junto das escolas. Depois do projeto Academia CV.pt, que se focou na aprendizagem da língua portuguesa para alunos e alunas migrantes, o Radika trabalhou a educação antirracista, através de formações dirigidas a crianças do primeiro ciclo e de uma campanha nacional de sensibilização e consciencialização.

O projeto RADIKA foi possível através de uma parceria entre a Associação Renovar a Mouraria e o Agrupamento de Escolas Patrício Prazeres com o financiamento do FAMI – Fundo para o Asilo, as Migrações e a Integração.

Assim nasceu a campanha “Chama as Coisas pelos Nomes

A campanha nacional de sensibilização e consciencialização foi construída através de processos de criação coletiva entre a equipa de adultos e as crianças, garantido que as suas vozes sejam amplificadas numa variedade de meios.

A mensagem da campanha “chama as coisas pelos nomes” pretende apelar a uma posição ativa de compreensão e denúncia do racismo estrutural e suas manifestações quotidianas. Existe (ainda) um enorme desconforto em identificar e nomear agressões racistas, um receio de chamar as coisas pelos nomes: Portugal é uma sociedade estruturalmente racista.

Ser capaz de efetivamente identificar e nomear esta(s) violência(s) é um passo fulcral na luta pela desconstrução do racismo estrutural.

A narrativa do vídeo desenrola-se em sala de aula, remetendo para as próprias sessões de educação antirracista que dinamizámos em sala de aula, e também porque consideramos que a educação é um importante motor de mudança social.  Procurámos valorizar as crianças, a sua posição enquanto cidadãs ativas, enquanto protagonistas da história, com voz e posicionamento sobre o mundo. 

Sem narrativas de vitimização, mas antes sim de denúncia; com conhecimento e através do diálogo. Não queremos personalizar nenhuma questões, mas sim enquadrar os exemplos dados num sistema estrutural de violência e discriminação étnico-racial. Adultos e crianças num diálogo articulado e horizontal denunciam vários exemplos de racismo, que são frequente e literalmente branqueados e desvalorizados.

"Não VÊ Cores"

Muitas vezes ouvimos a expressão “Ah… eu não vejo cores” quando alguém se tenta distanciar de uma postura racista. A verdade é que quem “não vê cores” não consegue ver, não quer ver,  as discriminações. Não podemos negá-las mais. Não podemos invisibilizar o racismo. Precisamos efetivamente identificar e compreender o fenómeno do racismo estrutural característico da(s) nossa(s) sociedade(s) contemporânea(s). 

Quando se diz esta frase, invisibilizam-se e apagam-se as experiências de violência que as pessoas racializadas experienciam diariamente. 

A nível científico, biológico, não existem raças humanas, mas infelizmente existem ainda e de forma violenta as consequências de, um dia, ter sido ferozmente criada e alimentada uma diferenciação entre as pessoas – todas humanas e todas iguais como tal, não deveria ser mesmo? Historicamente tornou-se necessária a criação de uma hierarquização de seres humanos para justificar, entre muitas outras atrocidades, a escravatura e o tráfico negreiro.  

A reificação ou coisificação é a transformação dos seres humanos em coisas. Há poucos séculos atrás, pessoas foram utilizadas para o trabalho sem quaisquer remunerações ou possibilidade de bem-estar. A escravatura foi possível porque os seres humanos raptados tiveram a sua humanidade subtraída, equiparando-os a coisas, mercadorias com preço

e dono. Esta coisificação amparou-se na ideia de que os seres humanos eram divididos em raças, com características e capacidades diferentes, uma hierarquização dos seres humanos. A ideia de ‘raças’ aplicada aos seres humanos não tem hoje qualquer aceitação ou justificação genética e científica. É sim um conceito inventado, que serviu e serve para nos definir e nos separar.

As raças não existem, não são reais, mas o racismo, a discriminação étnico-racial sim. Por isso, “não ver” é ser cúmplice e estar calado perante a discriminação. 

Quem não consegue (não quer) ver cores cai ainda e sempre no erro de pensar e defender que é o mérito que importa ou deve importar. Sendo todas iguais, todas as pessoas têm então naturalmente as mesmas oportunidades e, só não consegue quem não quer – a dita meritocracia. 

Mas nós não partimos todos do mesmo lugar. Esta é a crua realidade. Uma realidade que só pode ser combatida e transformada quando conscientemente apreendida e compreendida.

"No meu Cabelo nInguém TOca"

Tocar no cabelo de uma pessoa racializada constitui uma agressão porque parte de uma visão e um posicionamento que vê estas pessoas como “exóticas”, como “diferentes” como um “outro”.  O outro que nunca sou eu.

Chamar pessoas de “exóticas” reforça a ideia de que há um “outro diferente e distante”. Um outro que não pode ser simplesmente “belo” ou “bela”, mas que só cabe na gaveta do exótico ou exótica. Porquê? Porque é diferente, porque não é daqui, porque, logo, não pertence. 

Durante séculos, o nosso sistema social racista estigmatizou (e ainda estigmatiza) as características físicas das pessoas negras, desde logo, uma das mais representativas é o cabelo.  O cabelo afro, uma característica estética encontrada em boa parte da população negra. Numa cultura (ocidental) lque valoriza traços e aspectos brancos e eurocêntricos, o preconceito contra quem não faz parte deste grupo ainda existe e resiste. De um modo bem geral, os primeiros esforços de não aceitação e vontade de transformação do corpo negro começam cedo e muitas vezes com o desejo de mudar o cabelo, através, por exemplo, do alisamento capilar. 

No entanto, ao mesmo tempo, a importância simbólica do cabelo afro é irrefutável, devido ao seu legado histórico e político. O cabelo é uma marca identitária, de aceitação, amor e empoderamento – “black power”. 

Para uma educação antirracista precisamos, antes de mais, reconhecer o racismo, a discriminação étnico-racial presente na nossa sociedade, de maneira individual, institucional e estrutural. Este reconhecimento obriga e está dependente de uma auto-reflexão, da 

identificação dos preconceitos apreendidos e internalizados por qualquer pessoa que vive numa sociedade estruturalmente racista como a nossa. 

Sabemos que um cabelo afro é irresistível, lindo e cheiroso, podendo dar mesmo vontade de mexer, mas não o faças. Sabemos também que não tiveste intenção de ferir, de cometer um ato racista, mas mesmo sem intenção podes ser racista. 

Busca questionar e compreender o racismo estrutural, hoje e sempre. Por isso, “no meu cabelo, ninguém toca!”.

"De onde És?"

A pergunta “De onde és?” feita natural e frequentemente a pessoas racializadas encerra em si estereótipos e premissas enviesadas. 

 Assume-se por isso que uma pessoa negra tem de “vir de algum lado” e que ela nos deve uma resposta sobre a sua “suposta” origem. Essa pessoa negra, essa pessoa racializada, por ser negra, por ser racializada, não é de aqui, naturalmente não é daqui. Daqui é quem é branco. Vivemos num sistema que toma a pele branca, como o “normal, como o “referente” e, como tal, toda a cor de pele que não é branca é reconhecida como diferente e estrangeira; não pertence. O supor que não se é daqui vai da mão quase automaticamente com a também violenta e comumente utilizada expressão “vai/volta para a tua terra”.  

O conceito de “normal” é relativo, arbitrário, excludente e marginalizador. Somos todos normais ou ninguém é normal, não há outra possibilidade.

Para uma sociedade justa e igualitária precisamos de entender e identificar os privilégios (o privilégio branco, antes de mais) e trabalhar para equilibrar as situações desequilibradas de poder. Tal equilíbrio só se alcançará reconhecendo as desigualdades históricas e estruturais das sociedades, tratando de forma igual situações iguais e diferentemente situações diferentes. Uma leitura de direitos humanos exige que se reconheça que todas as pessoas são iguais como seres humanos que são, em virtude do valor igual de cada vida e da inerente dignidade de cada uma, ou seja, da sua individualidade e características únicas. A nossa igualdade reside no facto de, ao sermos todos seres humanos, termos todos os mesmos direitos. A igualdade de direitos implica ainda que todos os seres humanos tenham direito a gozar de seus direitos sem discriminação de qualquer tipo, seja ela étnico-racial, sexual, referente à idade, idioma, religião, opinião política, origem nacional ou social, deficiência, propriedade, nascimento ou qualquer outra. Esta não discriminação (negativa) implica que se discrimine positivamente – só assim todos veremos plenamente realizados os nossos direitos humanos.

"Mais de 500 anos de apagamento Histórico"

A pele branca não é o normal. Utilizar a pele branca como referente leva assim à marginalização de todas aquelas pessoas que não o são. Esta segregação social vem de um passado colonial, que ainda não se  viu desconstruído. Aqui, hoje, em Portugal domina o mito do bom colonizador; o chamado período da expansão marítima não é ainda revisitado desde a perspectiva crítica tão desejada e necessária. São mais de 500 anos de apagamento histórico e uma narrativa de exaltação colonial que molda mentes e gentes. Os resquícios do colonialismo são fortes e resistem. 

Os manuais de estudo, por exemplo, continuam a reforçar estereótipos e visões únicas da história da humanidade. Precisamos mostrar aquilo que os manuais invisibilizam: a resistência das populações violentadas e oprimidas, as populações originárias, as violências características de processos de conquista/invasão, ‘os outros’ e as suas narrativas. A visão romântica do período da expansão marítima portuguesa não pode continuar a ser a única, nem a dominante. Trazer as vozes silenciadas faz parte de combater as discriminações e marginalizações estruturais e estruturantes. É uma questão de justiça e de reparação histórica.

A escravatura e as suas consequências e lastros nas mentalidades, nas vivências, na estrutura das sociedades contemporâneas são temas urgentes a serem explorados. Uma sociedade escravocrata necessariamente deixou como legado uma estrutura social racista. É preciso trabalhar também a ideia de que a história dos povos africanos não começa com a escravatura. África existe muito antes de 1500! (Re)conhecer a ancestralidade (roubada) é condição sine qua non da luta antirracista.

Sessões de educação antirracista em sala de aula

As sessões de educação antirracista em sala de aula foram um dos maiores focos do projeto. Estiveram assentes numa abordagem ao fenómeno do racismo adequada à faixa etária das crianças e foram desenhadas segundo uma perspectiva de direitos humanos, trabalhando a partir dos princípios estruturantes de igualdade e liberdade, e para a justiça social. Tiveram como objetivos valorizar a diversidade, compreender a diferença como característica universal, ao mesmo tempo que abordaram o racismo como estrutural à nossa sociedade. Metodologicamente, as oficinas assentaram na crença e no respeito pela inteligência das crianças, colocando-as sempre e necessariamente no centro das discussões. As dinâmicas escolhidas pretenderam-se lúdicas e experienciais promovendo a cada momento a participação e a horizontalidade do processo.

Destas sessões resultou também um manual, um guia educativo, no qual constam os planos das sessões implementadas em sala de aula ao longo do projeto. Cada plano apresenta os objetivos específicos e, partindo de uma pequena contextualização e da identificação das expectativas para a sessão, apresentam-se as atividades, com a lista de materiais necessários  e o tempo previsto para cada momento. Em cada plano há também um campo de observações para facilitar a preparação da sessão. Com este Guia nas mãos, qualquer agente pedagógico pode aplicar estas sessões e tornar-se um educador antirracista. 

Equipa

Hugo Henriques

design gráfico e ilustração

Joana Cardoso

apoio à implementação de projeto

Joana Deus

coordenação de projeto

João Páscoa dos Santos

comunicação do projeto

e conceção e escrita da campanha

Rita Velez Madeira

comunicação do projeto e

conceção e escrita da campanha

Simone Longo de Andrade

criação e facilitação das oficinas

Hello Movement

Produtora audiovisual da campanha

Pau Storch

Fotógrafo da campanha

 

Período de Implementação: 31 de dezembro 

Parceiros: Agrupamento de Escolas Patrício Prazeres

Financiamentos: FAMI – Fundo para o Asilo, as Migrações e a Integração

 
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